Tuesday, August 30, 2005

Árvore da Sabedoria


Segundo filósofos como Jean-Paul Sartre e Merleau-Ponty, psicólogos como Jacques Lacan e antropólogos como Lévi-Strauss, o homem teria, em algum momento da sua história, vivenciado um processo único de ruptura com a natureza. Traduzido sob a forma de mito na maioria das culturas conhecidas, esse momento teria representado para nossos antepassados uma verdadeira "expulsão do paraíso" - uma separação irreversível de sua condição de habitante do Éden -, vivido como castigo ou como cumprimento inexorável de desígnios divinos. Esse desligamento de uma situação primordial na qual estivera imerso foi sentido pelos primeiros hominídeos como uma grande perda, associada contraditoriamente a idéias de nascimento, condenação e desterro. Há milênios o homem relembra em seus ritos esse momento em que, ao deixar o paraíso, rompe com a natureza generosa e abundante, com a reprodução indolor e com a imortalidade. Passa a ter uma relação conflitante com o ambiente, com a satisfação de suas necessidades básicas, com o tempo e com a morte.

Tal revolução nas condições da existência só pôde ser enfrentada, segundo a tradição judaico-cristã, por terem esses homens "comido da árvore da sabedoria", tendo adquirido o discernimento, a capacidade de distinguir entre o bem e o mal e de agir segundo sua própria orientação, em vez de apenas responder a impulsos genéticos e instintivos.

Esse momento transformador foi o parto da humanidade, a emergência de um ser que, rompendo com seu estado de natureza, defronta-se com o mundo exterior a partir de sua subjetividade. Instala-se a percepção de si mesmo e de sua individualidade íntegra, única e solitária. Expulso do útero criador, ele deveria, a partir dali, parir a si próprio e a seus descendentes. Com dor, é claro.

Romper com estado de natureza e com a bagagem genética, que lhe dava o sentido das coisas e de sua relação com elas, significou enfrentar o mundo por meio de um complexo processo cognoscente, o qual exigiu o desenvolvimento do imaginário e das abstrações, responsáveis pela consciência humana e por seus processos simbólicos. Tornou-se consciente de si próprio e dotado de uma identidade que se construía por oposição ao mundo circundante, o qual, conseqüentemente, em termos cognitivos, situava-se exteriormente aos processos construtivos de sua interioridade. O homem e o mundo, e eu e o outro passaram a ser elementos basilares do conhecimento e da identidade.

COSTA, Maria Cristina Castilho. Ficção, Comunicação e Mídias. São Paulo: Editora SENAC, 2002. Introdução